“Jesus havia
terminado uma de suas pregações na praça pública, quando percebeu que a
multidão se movimentava em alvoroço. Alguns populares mais exaltados
prorrompiam em gritos, enquanto uma mulher ofegante, cabelos desgrenhados e
faces macilentas, se aproximava dele, com uma súplica de proteção a lhe sair
dos olhos tristes. Os muitos judeus ali aglomerados excitavam o ânimo geral,
reclamando o apedrejamento da pecadora, na conformidade das antigas tradições.
Solicitado,
então, a se constituir juiz dos costumes do povo, o Mestre exclamou com
serenidade e dessassombro, causando estupefação aos que o ouviram:
- Aquele que estiver sem pecado atire a
primeira pedra!
Por toda a
assembléia se fez sentir uma surpresa inquietante. As acusações morreram nos
lábios mais exaltados. A multidão ensimesmava-se, para compreender a sua
própria situação. Enquanto isso, o Mestre pôs-se a escrever no solo
despreocupadamente.
Aos poucos, o
local ficara quase deserto. Apenas Jesus e alguns discípulos lá se conservaram,
tendo ao lado a mulher a ocultar as faces com as mãos.
Em dado
instante, o Mestre Divino ergueu a fronte e pergunto à infeliz:
- Mulher, onde
estão os teus juízes?
Observando que a
pecadora lhe respondia apenas com o olhar reconhecido, onde as lágrimas
aljofravam num misto de agradecimento e alegria, Jesus continuou:
- Ninguém te condenou? Também eu não te
condeno. Vai, e não peques mais.
A infeliz
criatura retirou-se, experimentando uma sensação nova no espírito. A generosidade
do Messias lhe iluminava o coração, em claridades vivas que lhe banhavam a alma
toda...”
“... Mestre, por
que não condenastes a meretriz de vida infame? (interrogou João)”
“... Quais as
razões que aduzes em favor dessa condenação? Sabes o motivo por que essa pobre
mulher se prostituiu? Terás sofrido alguma vez a dureza das vicissitudes que
ela atravessou em sua vida? Ignoras o vulto das necessidades e das tentações
que a fizeram sucumbir a meio do caminho. Não sabes quantas vezes tem sido ela
objeto de escárnio dos pais, dos filhos e dos irmãos das mulheres mais felizes.
Não seria
justo agravar-lhe os padecimentos infernais da consciência pesarosa e sem rumo.
- Entretanto –
exclamou João, defendendo os princípios da lei antiga -, ela pecou e fez jus à
punição. Não
está escrito que os homens pagarão, ceitil por ceitil, os seus própris erros?”
“...Ninguém pode contestar que ela tenha
pecado; quem estará irrepreensível na face da Terra? Há sacerdotes da lei,
magistrados e filósofos, que prostituíram suas almas por mais baixo preço;
contudo, ainda não lhes vi os acusadores. A hipocrisia costuma campear impune,
enquanto se atiram pedras ao sofrimento. João, o mundo está cheio de túmulos caiados. Deus,
porém, é o Pai de Bondade Infinita que aguarda os filhos pródigos em sua casa.
Poder-se-ia desejar para a pecadora humilde tormento maior do que aquele a que
ela própria se condenou por tempo indeterminado? Quantas vezes lhe tem faltado
pão à boca faminta ou a manifestação de um carinho sincero à alma angustiada?
Raras dores no mundo serão idênticas às agonias de suas noites silenciosas e
tristes. Esse o seu doloroso inferno, sua aflitiva condenação. É que, em todos
os planos da vida, o instituto da justiça divina funciona, naturalmente, com
seus princípios de compensação.
Cada ser traz consigo a fagulha sagrada
do Criador e erige, dentro de si, o santuário de sua presença ou a muralha
sombria da negação...”
“... É por isso que não condeno o
pecador para afastar o pecado e, em todas as situações, prefiro acreditar
sempre no bem. Quando observares, João, os seres mais tristes e miseráveis,
arrastando-se numa noite pejada de sombra e desolação, lembra-te da semente
grosseira que encerra um gérmen divino e que um dia se elevará do seio da terra
para o beijo de luz do Sol...”
Curando e consolando em Jerusalém
“... Muito tempo
ainda não transcorrera depois desse acontecimento, quando Jesus subiu de
Cafarnaum para Jerusalém, acompanhado por alguns de seus discípulos.
Celebravam-se
festas tradicionais entre os judeus. O Messias chegou num sábado, sob a
fiscalização severa dos espíritos rigoristas de sua época. Não foram poucos os
paralíticos que o cercaram, ansiosos pelo benefício de sua virtude salvadora.
Escandalizando os fanáticos, o Mestre curava e consolava, na sua jornada de
gloriosa redenção. Explicando que o sábado fora feito para o homem e não o
homem para o sábado, enfrentava sorridente as preocupações dos mais exigentes.
Vendo tantos cegos e aleijados aglomerados à passagem, Tiago o interpelou:
- Mestre, sendo
Deus tão misericordioso, por que pune seus filhos com defeitos e moléstias tão
horríveis?...
- Acreditas, Tiago – respondeu Jesus -,
que Deus desça de sua sabedoria e de seu amor para punir seus próprios filhos?
O Pai tem o seu plano determinado com respeito à criação inteira; mas, dentro
desse plano, a cada criatura cabe uma parte na edificação, pela qual terá de
responder. Abandonando o trabalho divino, para viver ao sabor dos caprichos
próprios, a alma cria para si a situação correspondente, trabalhando para
reintegrar-se no plano divino, depois de se haver deixado levar pelas sugestões
funestas, contrárias, à sua própria paz.
João compreendeu
que a Palavra do Messias era a confirmação dos ensinamentos que já ouvira de
seus lábios, na tarde em que a multidão exigia o apedrejamento da pecadora.
Afastaram-se, em
seguida, do Tanque de Betsaida cujas águas eram tidas, em Jerusalém, na conta
de miraculosas e onde o Mestre fizera andar paralíticos, dera vista a cegos e
limpara leprosos. Na companhia de Tiago e João, o Senhor encaminhou-se para o
templo, onde um dos paralíticos que ele havia curado relatava o acontecido,
cheio de sincera alegria. Jesus aproximou-se dele e, deixando entrever aos seus
discípulos que desejava confirmar os ensinamentos sobre pecado e punição,
falou-lhe abertamente, como se lê no texto evangélico de João: ‘- Eis que estás
são. Não peques mais, para que te não suceda coisa pior.’
Desde que esses
ensinos foram dados, novas idéias de fraternidade povoaram o mundo, com
respeito aos transviados, aos criminosos e aos inimigos, atingindo a própria
organização política dos Estados.”
“... Todo o
sistema da justiça humana evolveu para os princípios da magnanimidade, e os
juízes modernos, lavrando suas sentenças, sem nunca haverem manuseado o Novo
Testamento, talvez ignorem que procedem assim por ter sido Jesus o grande
reformador da criminologia.”
(Trechos extraídos do livro “Boa Nova”, pelo Espírito
Humberto de Campos, psicografia de Francisco Cândido Xavier, editora FEB)
Fraternalmente!
Refletindo o Espiritismo
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