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Em "O Livro dos Espíritos", Allan Kardec, tradução de José Herculano Pires
728. A destruição é uma lei da
Natureza?
– E necessário que tudo se destrua para
renascer e se regenerar porque isso a que chamais destruição não é mais
que transformação, cujo objetivo é a renovação e o melhoramento dos seres
vivos.
728 – a) O instinto de destruição teria
sido dado aos seres vivos com fins providenciais?
– As criaturas de Deus são os
instrumentos de que ele se serve para atingir os seus fins. Para se nutrirem,
os seres vivos se destroem entre si e isso com o duplo objetivo de manter o
equilíbrio da reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e de utilizar os
restos do invólucro exterior. Mas é apenas o invólucro que é destruído e esse
não é mais que acessório, não a parte essencial do ser pensante, pois este é o
princípio inteligente indestrutível que se elabora através das diferentes
metamorfoses por que passa.
729. Se a destruição é necessária para a
regeneração dos seres, por que a Natureza os cerca de meios de preservação e
conservação?
— Para evitar a destruição antes do tempo
necessário. Toda destruição antecipada entrava o desenvolvimento do principio
inteligente. Foi por isso que Deus deu a cada ser a necessidade de viver e de
se reproduzir.
730. Desde que a morte deve
conduzir-nos a uma vida melhor, e que nos livra dos males deste mundo, sendo
mais de se desejar do que de se temer, por que o homem tem por ela um horror
instintivo que a torna motivo de apreensão?
— Já o dissemos. O homem deve
procurar prolongar a sua vida para cumprir a sua tarefa. Foi por isso que Deus
lhe deu o instinto de conservação e esse instinto o sustenta nas suas provas;
sem isso, muito freqüentemente ele se entregaria ao desânimo. A voz secreta que
o faz repelir a morte lhe diz que ainda pode fazer alguma coisa pelo seu
adiantamento. Quando um perigo o ameaça, ela o adverte de que deve aproveitar o
tempo que Deus lhe concede,mas o ingrato rende geralmente graças à sua estrela,
em lugar do Criador.
731. Por que, ao lado dos meios de
conservação, a Natureza colocou ao mesmo tempo os agentes destruidores?
— O remédio ao lado do mal; já o
dissemos, para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.
732. A necessidade de destruição é a
mesma em todos os mundos?
— É proporcional ao estado mais ou menos
material dos mundos e desaparece num estado físico e moral mais apurado. Nos
mundos mais avançados que o vosso, as condições de existência são muito
diferentes.
733. A necessidade de destruição existirá
sempre entre os homens na Terra?
—A necessidade de destruição diminui
entre os homens à medida que o Espírito supera a matéria; é por isso que ao
horror da destruição vedes seguir-se o desenvolvimento intelectual e moral.
734. No seu estado atua], o homem tem
direito ilimitado de destruição sobre os animais?
— Esse direito é regulado pela
necessidade de prover à sua alimentação e à sua segurança; o abuso jamais foi
um direito.
735. Que pensar da destruição que
ultrapassa os limites das necessidades e da segurança; da caça, por exemplo,
quando não tem por objetivo senão o prazer de destruir, sem utilidade?
— Predominância da bestialidade sobre a
natureza espiritual. Toda destruição que ultrapassa os limites da necessidade é
uma violação da lei de Deus. Os animais não destroem mais do que necessitam,
mas o homem, que tem o livre-arbítrio, destrói sem necessidade. Prestará contas
do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois nesses casos ele cede aos
maus instintos.
736. Os povos que levam ao excesso o
escrúpulo no tocante à destruição dos animais têm mérito especial?
— É um excesso, num sentimento que em si
mesmo é louvável, mas que se torna abusivo e cujo mérito acaba neutralizado por
abusos de toda espécie Eles têm mais temor supersticioso do que verdadeira
bondade.
737. Com que fim Deus castiga a
Humanidade com flagelos destruidores?
— Para fazê-la avançar mais depressa. Não
dissemos que a destruição é necessária para a regeneração moral dos Espíritos,
que adquirem em cada nova existência um novo grau de perfeição? E necessário
ver o fim para apreciaras resultados. Só julgais essas coisas do vosso ponto de
vista pessoal, e as chamais de flagelos por causa dos prejuízos que vos causam;
mas esses transtornos são freqüentemente necessários para fazer com que as
coisas cheguem mais prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns
anos o que necessitaria de muitos séculos(1).
(Ver item 744.)
738. Deus não poderia empregar, para
melhorar a Humanidade, outros meios que não os flagelos destruidores?
— Sim, e diariamente os emprega, pois deu
a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. E o homem
que não os aproveita; então, é necessário castigá-lo em seu orgulho e fazê-lo
sentir a própria fraqueza.
738 – a) Nesses flagelos, porém, o homem
de bem sucumbe como os perversos; isso é justo?
— Durante a vida, o homem relaciona tudo
a seu corpo, mas, após a morte, pensa de outra maneira. Como já dissemos,
a vida do corpo é um quase nada; um século de vosso mundo é um relâmpago na
Eternidade. Os sofrimentos que duram alguns dos vossos meses ou dias, nada são.
Apenas um ensinamento que vos servirá no futuro. Os Espíritos que preexistem e
sobrevivem a tudo, eis o mundo real. (Ver item 85.) São eles os filhos de Deus
e o objeto de sua solicitude. Os corpos não são mais que disfarces sob os quais
aparecem no mundo. Nas grandes calamidades que dizimam os homens, eles são como
um exército que, durante a guerra, vê os seus uniformes estragados, rotos ou
perdidos. O general tem mais cuidado com os soldados do que com as vestes.
738 – b) Mas as vítimas desses flagelos,
apesar disso, não são vítimas?
— Se considerássemos a vida no que ela é,
e quanto é insignificante em relação ao infinito, menos importância lhe
daríamos. Essas vítimas terão noutra existência uma larga compensação para os
seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem lamentar.
Comentário de Kardec: Quer a morte se verifique por um flagelo ou por uma causa ordinária,
não se pode escapar a ela quando soa a hora da partida: a única diferença é que
no primeiro caso parte um grande número ao mesmo tempo.
Se pudéssemos elevar-nos pelo
pensamento de maneira a abranger toda a Humanidade numa visão única, esses
flagelos tão terríveis não nos pareceriam mais do que tempestades passageiras
no destino do mundo.
739. Esses flagelos destruidores têm
utilidade do ponto de vista físico, malgrado os males que ocasionam?
— Sim, eles modificam algumas vezes o estado de
uma região; mas o bem que deles resulta só é geralmente sentido pelas
gerações futuras.
740. Os flagelos não seriam igualmente provas
morais para o homem, pondo-o às voltas com necessidades mais duras?
— Os flagelos são provas que proporcionam ao
homem a ocasião de exercitar a inteligência, de mostrar a sua paciência e a sua
resignação ante a vontade de Deus, ao mesmo tempo que lhe permitem desenvolver
os sentimentos de abnegação, de desinteresse próprio e de amor ao próximo, se
ele não for dominado pelo egoísmo.
741. E dado ao homem conjurar os flagelos que o
afligem?
— Sim, em parte, mas não como geralmente se
pensa. Muitos flagelos são as conseqüências de sua própria imprevidência. Á
medida que ele adquire conhecimentos e experiências, pode conjurá-los, quer
dizer, preveni-los, se souber pesquisar-lhes as causas. Mas entre os males que
afligem a Humanidade, há os que são de natureza geral e pertencem aos desígnios
da Providência. Desses, cada indivíduo recebe, em menor ou maior proporção, a
parte que lhe cabe, não lhe sendo possível opor nada mais que a resignação à
vontade de Deus. Mas ainda esses males são geralmente agravados pela indolência
do homem.
Comentário de Kardec: Entre os flagelos destruidores, naturais e independentes do homem,
devem ser colocados em primeira linha a peste, a fome, as inundações, as
intempéries fatais à produção da terra. Mas o homem não achou na Ciência, nos
trabalhos de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas
irrigações, no estudo das condições higiênicas, os meios de neutralizar ou pelo
menos de atenuar tantos desastres? Algumas regiões antigamente devastadas por
terríveis flagelos não estão hoje resguardadas? Que não fará o homem, portanto,
pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar todos os recursos da sua
inteligência e quando, ao cuidado da sua preservação pessoal, souber aliar o
sentimento de uma verdadeira caridade para com os semelhantes? (Ver item 707.)
(1) Esta resposta coloca de
maneira bem clara o problema dos “saltos” da Natureza, de que tratamos em nota
anterior. “O salto qualitativo” a que se refere a dialética marxista, e que
para alguns contradiz a ordem evolutiva da doutrina espírita, é exatamente essa
espécie de “transtornos” que apressam o desenvolvimento. Como se vê, o
Espiritismo reconhece a existência e a necessidade desses “transtornos”, mas
integrados no processo geral da evolução, não os admitindo como quebra desse
processo. (N. do T.)
Fraternalmente,
Refletindo o Espiritismo
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